“Feministas se opõem a você por tratar mulheres como objetos”, questionou um repórter da “Vanity Fair” em 2010, se dirigindo a Hugh Hefner, fundador da “Playboy”, morto nesta quarta-feira (27).
“Elas são objetos!”, respondeu o empresário. “A ‘Playboy’ lutou pelos direitos das mulheres, inclusive pelo direito aos contraceptivos.”
O diálogo resume o motivo de uma longa e conflituosa relação de Hefner com o movimento feminista, que ele dizia defender.
Em 1963, a jornalista Gloria Steinem trabalhou por duas semanas como coelhinha na Playboy Club em Nova York e denunciou as condições da boate —as garçonetes tinham que passar por um exame vaginal, usar saltos desconfortáveis e roupas tão apertadas que era difícil respirar.
O que motivou Steinem a fazer a denúncia foi uma série de artigos que Hefner vinha publicando mensalmente na “Playboy”, que ele chamava de “proclamação emancipatória da revolução sexual”. A jornalista discordava que esse modelo de “emancipação” fosse positivo para as mulheres.
A resposta à denúncia de Steinem não foi agressiva. Hefner disse que não tinha problema com o artigo dela, publicado na revista “Show”, e o exame íntimo foi abolido.
Nos anos 1970, porém, novas polêmicas vieram. Uma secretária vazou uma correspondência em que ele dizia estar interessado na tendência “irracional e emotiva” das “feministas militantes”.
“Essas mulheres são nossas inimigas naturais. É hora de brigar com elas. Quero um artigo devastador, que destrua [as militantes]”, afirmou, referindo-se a uma manifestação de 300 feministas em frente à Mansão Playboy, que tinha ocorrido na época.
“Elas são intransigentes em sua oposição à sociedade romântica de meninos e meninas que a ‘Playboy’ promove.”
Uma biografia escrita por Steven Watts relata que Hefner exigia que as “coelhinhas” com quem ele se relacionava fossem fiéis, mas ficava irado quando elas insinuavam que ele deveria fazer o mesmo por elas.
NA MANSÃO
A mais famosa oposição aos hábitos controversos da Mansão Playboy veio de Holly Madison, coelhinha da “Playboy” e moradora da Mansão de 2001 a 2008.
Ela diz que, quando se mudou para a casa, descobriu que fazer sexo com Hefner era tratado como obrigação, e que não era incomum drogar ou embebedar as mulheres para facilitar a abertura sexual.
“Eu sabia que acontecia algo assim. Não sou idiota. Mas as meninas nunca admitiam isso entre elas, e nunca falávamos sobre esses problemas”, disse em entrevista ao “Buzzfeed” em 2015 —em mais de uma ocasião, Hefner negou a veracidade do relato de Madison.
Madison reconhece que via muitas vantagens em morar lá, e gostava da exposição midiática, mas acabou saindo da casa quando percebeu que Hefner era “verbalmente abusivo”, controlando sua aparência e a criticando.
“Hef gosta de cercar de pessoas que dizem ‘sim’. Ele tem muitos amigos que trata bem. Tem uma cultura de todo mundo o tratar como um cara muito legal, uma veneração à personalidade dele, pela qual eu me encantei por muito tempo”, disse.
A definição que Hefner dava da mulher como uma “coelhinha” também enfureceu feministas por mais de uma geração.
“Uma mulher se parece com uma coelhinha. Ela é feliz, brincalhona. [A coelhinha] nunca é sofisticada, uma mulher que não se pode ter. Ela é jovem, interessante, simples… Como a sua vizinha. Não estamos interessados na mulher misteriosa, difícil, a femme fatale”, dizia Hefner.
“A menina da ‘Playboy’ não está vestida, não tem calcinha. Ela está pelada, bem lavada com sabão e água, e está feliz.”