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Missão de Paz no Haiti: veja altos e baixos nos 13 anos de presença militar brasileira

Minustah conseguiu levar um mínimo de estabilidade após o país estar à beira de um conflito social, em 2004. No entanto, como apontam especialistas, houve problemas, como um surto de cólera e pouco apoio a uma reforma do Estado haitiano. Tropas sairão do Haiti até o dia 15 de outubro.

Militares da Minustah no Haiti (Foto: UN/MINUSTAH/Jesús Serrano Redondo)Militares da Minustah no Haiti (Foto: UN/MINUSTAH/Jesús Serrano Redondo)

Militares da Minustah no Haiti (Foto: UN/MINUSTAH/Jesús Serrano Redondo)

Estabilidade social e pacificação de favelas são alguns dos feitos atribuídos à Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), que foi liderada por tropas brasileiras e vai se retirar do país até o dia 15 de outubro. Por outro lado, o escândalo de um surto de cólera e a não reestruturação do Estado são apontados pelos especialistas em defesa como os pontos baixos da sua atuação.

A Minustah foi criada em 2004 para estabilizar o Haiti, que estava à beira de uma guerra civil após a queda do presidente Jean-Bertrand Aristide. Treze anos depois, depois da sua retirada, a ONU enviará uma nova missão com o objetivo de avançar a Justiça no país.

G1 está no país para acompanhar o encerramento das atividades do Brasil na ilha.

 (Foto: Arte/G1) (Foto: Arte/G1)

(Foto: Arte/G1)

Veja a seguir os altos e baixos desses 13 anos de atuação da Minustah:

ALTOS

Mínima estabilidade social

Mulher carrega bananas no mercado público em Cabaret, perto de Port-au-Prince. (Foto:  Thony Belizaire/AFP)Mulher carrega bananas no mercado público em Cabaret, perto de Port-au-Prince. (Foto:  Thony Belizaire/AFP)

Mulher carrega bananas no mercado público em Cabaret, perto de Port-au-Prince. (Foto: Thony Belizaire/AFP)

A Minustah é reconhecida por ter devolvido ao Haiti alguma estabilidade ao país, que vivia uma convulsão social após a queda de Aristide, ainda que essa estabilidade não seja a ideal.

“Sem dúvida alguma houve uma recuperação da estabilidade social do governo que consequentemente trouxe o nível de violência para uma situação mais sustentável. O grande problema é se o governo conseguirá sustentar isso no longo prazo”, diz ao G1 Gunter Rudzit, professor de relações internacionais da ESPM, especialista em segurança internacional.

Para o professor, a continuidade da estabilidade dependerá de se a população haitiana conseguirá seguir e respeitar o processo democrático. Os períodos que antecedem eleições costumam ser tensos no país, com ondas de protestos e violência em redutos eleitorais. “O elemento essencial é que a população aceite a ideia de alternância de poder. Isso é uma mudança cultural que, se não houver por parte da população, não tem força de paz que consiga dar conta”, diz Rudzit.

Pacificação de favelas e segurança

Capitão brasileiro, em 2013, na favela de Cité Soleil (Foto: Tahiane Stochero)Capitão brasileiro, em 2013, na favela de Cité Soleil (Foto: Tahiane Stochero)

Capitão brasileiro, em 2013, na favela de Cité Soleil (Foto: Tahiane Stochero)

A missão de paz foi responsável por garantir a segurança nas ruas, em um país marcado pela violência de gangues. Ajudou a pacificar favelas mais violentas, como a Bel Air, no centro de Porto Príncipe, a Cité Militaire e a Cité Soleil.

“Não é uma situação totalmente pacífica, porque as gangues ainda existem, a violência ainda existe, mas houve uma recuperação desse controle central”, diz Rudzit.

Foi essa recuperação do controle que permitiu, a partir de 2007, à missão investir em pequenas obras de infraestrutura – como o asfalto de algumas estradas e a construção de poços –, no relacionamento com a população local e no apoio ao governo. A pacificação também possibilitou que vendedores ambulantes e pequenos comércios voltassem às ruas e movimentassem a economia local.

Treinamento e expertise militar

Soldado brasileira em atividade no Haiti (Foto: Flickr/Ministério da Defesa)Soldado brasileira em atividade no Haiti (Foto: Flickr/Ministério da Defesa)

Soldado brasileira em atividade no Haiti (Foto: Flickr/Ministério da Defesa)

Para os militares ouvidos pelo G1, o treinamento e aprendizado de técnicas de combate em terreno urbano foi um dos grandes diferenciais e legados da missão de paz para o Brasil. As Forças Armadas – Exército, Marinha e Aeronáutica – aprenderam a trabalhar conjuntamente em uma missão, atuando juntos para o transporte de suprimentos, divisão de tarefas e também nas atividades de logística, para manter as tropas em pleno funcionamento no Haiti. O Brasil usou o Haiti como laboratório para técnicas de combate.

“O que ficou para o Brasil foi a experiência em treinamento e a experiência profissional de mais de 37,5 mil militares, que realizaram operações em área urbana. O Exército mostrou grande expertise e uma tropa extremamente qualificada, que nos deu prestígio internacional e interno na ONU, pois não tivemos nenhum problema grave de conduta. O Brasil, sem dúvida, interpreta como um case de sucesso”, diz o general do Exército da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, que foi comandante militar da missão de paz no Haiti entre 2006 e 2009, tendo sido o oficial brasileiro que mais tempo ficou no cargo mais alto da missão de paz na área militar.

Resposta aos desastres ambientais

Família em meio a destroços após passagem do furacão Matthew no Haiti. (Foto: REUTERS/Carlos Garcia Rawlins/Files)Família em meio a destroços após passagem do furacão Matthew no Haiti. (Foto: REUTERS/Carlos Garcia Rawlins/Files)

Família em meio a destroços após passagem do furacão Matthew no Haiti. (Foto: REUTERS/Carlos Garcia Rawlins/Files)

A infraestrutura do país, que já era deficiente, veio abaixo com o grande terremoto de 2010 e voltou a ser afetada pela passagem do furacão Matthew, em 2016. A Minustah, junto com o trabalho de ONGs e organizações internacionais presentes no Haiti, ajudou a reconstruir o país.

“Se não houvesse a presença de uma estrutura governamental existente que era a Minustah depois desses dois eventos catastróficos, o Haiti teria afundado em caos. O governo haitiano era completamente disfuncional, não tinha infraestrutura de comando, de administração, gente em campo trabalhando. Não tinha polícia, médico, engenheiro… a Minustah ofereceu tudo isso”, diz Rudzit.

Sem denúncias graves sistemáticas

Diferente de capacetes azuis em atuação em países da África, os soldados da Minustah não foram alvos de uma denúncia sistemática de má conduta, como abuso sexual — houve casos pontuais que, em sua maioria, não envolviam brasileiros.

Em dezembro de 2011, a Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (RNDDH) denunciou que, desde a chegada da Minustah ao Haiti em 2004, agentes estiveram envolvidos “em casos de estupro, roubo, assassinato e detenções ilegais e arbitrários” e citou uma dezena deles. O envolvimento de três brasileiros em agressão contra jovens foi investigado. Nenhuma outra denúncia grave foi feita contra militares do Brasil.

“O Brasil tem o mérito de ter tido sucesso de conduzir a missão em mais de uma década sem crise, sem episódios que riscassem esse desempenho brasileiro. Não teve, por exemplo, algo similar ao episódio infeliz e revoltante de abuso sistemático de crianças da África”, diz Peterson Silva, professor de relações internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco.

BAIXOS

Surto de cólera

Haitiano com sintomas do cólera espera atendimento, em 2014,  em Porto Príncipe. (Foto: AP )Haitiano com sintomas do cólera espera atendimento, em 2014,  em Porto Príncipe. (Foto: AP )

Haitiano com sintomas do cólera espera atendimento, em 2014, em Porto Príncipe. (Foto: AP )

Um surto de cólera que atingiu o país em 2010 e que, até o ano passado, tinha deixado mais de 10 mil mortos, manchou a reputação dos capacetes azuis. Soldados do Nepal foram acusados de levar a doença ao Haiti, e a ONU reconheceu que eles foram a provável fonte da doença. No ano passado, o então secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pediu desculpas pelo papel que os soldados da Minustah desempenharam para conter o surto. Ele reconheceu que a missão não fez o suficiente para ajudar a impedir a contaminação pelo país.

Reestruturação do Estado e da economia

Rua de Porto Príncipe (Foto: Tahiane Stochero/G1)Rua de Porto Príncipe (Foto: Tahiane Stochero/G1)

Rua de Porto Príncipe (Foto: Tahiane Stochero/G1)

Na visão dos especialistas, a ONU poderia ter investido mais em programas para tentar alavancar instituições do governo e a economia do Haiti, que sofre com problemas básicos como falta de saneamento básico e coleta de lixo. “Este é o ponto fraco da missão. A ONU poderia ter aproveitado o componente militar para intensificar com recursos e programas robustos essa questão do fortalecimento das questões do governo. Por mais que seja difícil trabalhar com o governo local, por questões como a corrupção e a fragilidade institucional, é difícil você deixar o governo aparte disso”, diz Silva.

A reestruturação da Justiça do país é o novo foco da ONU, que anunciou a criação da Missão das Nações Unidas para o Apoio à Justiça no Haiti (Minusjusth) para dar continuidade ao trabalho de capacitação da Polícia Nacional.

Investimento estrangeiro

A injeção de recursos estrangeiros no Haiti, principalmente as feitas após os desastres naturais, ajudou o país a se reerguer, mas não gerou benefícios ao Estado, já que foi direcionado a ONGs e organizações internacionais que atuam no território. “Particularmente, não enxergo que esses recursos foram bem aproveitados. Em 2010, principalmente, houve uma injeção pós-terremoto e de ajuda humanitária, mas não sei até que ponto esses recursos se tornaram efetivamente um legado institucional para o governo local”, questiona Silva.

Eleições

Eleitores fazem fila para votar na capital Porto Príncipe, este ano (Foto: Jeanty Junior Augustin/Reuters)Eleitores fazem fila para votar na capital Porto Príncipe, este ano (Foto: Jeanty Junior Augustin/Reuters)

Eleitores fazem fila para votar na capital Porto Príncipe, este ano (Foto: Jeanty Junior Augustin/Reuters)

As eleições no Haiti têm histórico de fraudes, devido às dificuldades de alistamento e controle censitário da população e de quem vota, corrupção e desrespeito aos resultados. Todas as eleições recentes do país tiveram que ser intermediadas pela ONU e por embaixadores brasileiros, que foram peças-chave para um consenso entre as autoridades do país. Essa mediação permitiu a aceitação de um dos candidatos mais votados, já que o derrotado se recusava a fazer o mesmo. Há um histórico de fraudes e discussões internas no país para decidir quem seria o vencedor.

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