Lisboa
Ramón Rivera mal tinha começado seu negócio de azeite de oliva na ensolarada região do Algarve, em Portugal, quando a crise da dívida europeia o atingiu. A economia desmoronou, os salários foram cortados e o desemprego duplicou. O governo de Lisboa teve de aceitar um socorro internacional humilhante.
Mas conforme a miséria se aprofundava Portugal assumiu uma posição ousada: em 2015, descartou as medidas de austeridade que seus credores europeus haviam imposto, iniciando um ciclo virtuoso que colocou sua economia de volta no rumo do crescimento. O país reverteu os cortes em salários, pensões e na seguridade social e ofereceu incentivos às empresas.
Primeiro Ministro de Portugal, António Costa – AFP
A meia-volta do governo, e a disposição a gastar, teve um efeito poderoso. Os credores criticaram a medida, mas a obscuridade que havia dominado o país durante anos de cinto apertado começou a se dissipar —inclusive nos olivais de Rivera.
“Tínhamos fé de que Portugal sairia da crise”, disse Rivera, o diretor-geral da Elaia. A companhia se concentrou em colheita com tecnologia de ponta e hoje é um dos maiores produtores portugueses de azeite. “Vimos que este era o melhor lugar do mundo para investir.”
Em um momento de crescente incerteza na Europa, Portugal desafiou os críticos que insistiam na austeridade como resposta para a crise econômica e financeira do continente. Enquanto países da Grécia à Irlanda —e durante algum tempo Portugal— seguiram na linha, Lisboa resistiu, ajudando a instigar um renascimento que levou seu crescimento econômico no ano passado ao maior nível em uma década.
A renovação é visível em praticamente todo lugar. Hotéis, restaurantes e lojas abriram às centenas, abastecidos por um surto de turismo que ajudou a cortar o desemprego pela metade. No bairro de Beato, em Lisboa, um megacampus para startups surge do entulho de uma fábrica militar antiquada. Bosch, Google e Mercedes-Benz recentemente abriram escritórios e centros de pesquisa digital, empregando milhares de pessoas ao todo.
O investimento estrangeiro nos setores aeroespacial, de construção e outros registram alta recorde. E as indústrias portuguesas tradicionais, incluindo têxteis e papel, estão aplicando dinheiro em inovação, provocando um surto de exportações.
“O que aconteceu em Portugal mostra que austeridade demais aprofunda a recessão e cria um círculo vicioso”, disse o primeiro-ministro António Costa em uma entrevista. “Criamos uma alternativa à austeridade, enfocando o maior crescimento e mais e melhores empregos.”
Os eleitores colocaram no poder Costa, um líder de centro-esquerda, no final de 2015, depois que ele prometeu reverter os cortes em sua renda, que o governo anterior tinha aprovado para reduzir o alto deficit de Portugal sob os termos de uma fiança internacional de 78 bilhões de euros (cerca de R$ 343 bilhões).
Costa formou uma aliança incomum com o Partido Comunista e partidos de esquerda radical que tinham sido alijados do poder desde o fim da ditadura portuguesa, em 1974. Eles se uniram com o objetivo de superar a austeridade, sem deixar de cumprir as regras da zona do euro.
O governo aumentou os salários no setor público, o salário mínimo e as pensões, e até restaurou o número de dias de férias aos níveis anteriores ao socorro financeiro, sob objeções de credores como a Alemanha e o Fundo Monetário Internacional. Incentivos para estimular as empresas incluíram subsídios ao desenvolvimento, créditos fiscais e financiamento para pequenas e médias empresas.
Costa compensou essas medidas com cortes em gastos com infraestrutura e outros, reduzindo o deficit orçamentário anual a menos de 1% do PIB, comparado com 4,4% quando ele assumiu o cargo. O governo está prestes a alcançar um superávit em 2020, um ano antes da previsão, encerrando 25 anos de deficits.
As autoridades europeias agora admitem que Portugal pode ter encontrado uma resposta melhor para a crise. Recentemente, elas recompensaram Lisboa por elevar o ministro das Finanças do país, Mário Centeno, que ajudou a divisar as mudanças, a presidente do Eurogroup, o influente coletivo de ministros das Finanças da zona do euro.
A reviravolta econômica teve um efeito notável na psique coletiva de Portugal. Enquanto o desânimo paira na Grécia depois de uma década de cortes de gastos, a recuperação de Portugal girou em torno de restaurar a confiança para motivar novamente as pessoas e as empresas.
“O verdadeiro estímulo de gastos foi muito pequeno”, disse João Borges de Assunção, professor na escola de economia da Universidade Católica Portuguesa. “Mas a mentalidade do país está completamente diferente, e de uma perspectiva econômica isso causa mais impacto do que a mudança real nas políticas.”
Mas o sucesso de Portugal ainda é vulnerável.
O crescimento de 2,7% no ano passado está esfriando, enquanto Costa mantém o investimento público em um piso de 40 anos para reduzir o deficit. Embora ele tenha restaurado os salários do setor público aos níveis anteriores, eles mal se moveram desde antes da crise. A precariedade social continua, agravada pela disseminação de contratos parciais por baixa remuneração. E o salário mínimo de 580 euros (cerca de R$ 2.550), apesar de ter subido, continua sendo um dos mais baixos da zona do euro.