Australiano vencedor chegou a ser 17º após pitstop não planejado no início da prova. Bottas caiu para o último lugar após incidente na largada, mas terminou o GP do Azerbaijão em segundo
Antes da largada, vá lá, Daniel Ricciardo, da RBR, apostaria umas três fichas das dez que possuía em si mesmo como vencedor do GP do Azerbaijão, disputado neste domingo no Circuito de Baku. Largaria em décimo e seu carro, o modelo RB13-Tag Heuer (Renault) era mais lento que o W08 Hybrid do pole position, Lewis Hamilton, e da Ferrari SF70H do líder do mundial, Sebastian Vettel, quinto no grid. Essa história vai mudar completamente. Aguarde só.
Já Valtteri Bottas, da Mercedes, segundo no grid, apostaria, como disse ao GloboEsporte.com, nove das fichas em si mesmo. “Tenho de começar uma corrida acreditando que vou ganhar, ainda mais com um carro como o meu e largando na primeira fila.”
Mas se fosse possível a Ricciardo rever sua aposta, depois de somente cinco voltas, tiraria as fichas de si e colocaria em Hamilton e Vettel. Olha o que disse após da corrida: “Se já achava que minhas chances eram pequenas, após fazer um pit stop não programado na quinta-volta, para tirar do meu sistema de freios pequenos pedaços dos carros que se acidentaram, aí então não via mesmo possibilidade de vitória. Caí para 17º”.
Com Bottas a reversão de expectativa foi ainda mais dramática. Na freada da curva 2, depois da largada, Kimi Raikkonen, da Ferrari, terceiro no grid, tentou ultrapassá-lo para assumir o segundo lugar. Bottas se posicionou por dentro e começaram a curva lado a lado. Ao passar sobre a zebra interna, Bottas foi catapultado para fora, na direção da Ferrari de Raikkonen. O choque foi inevitável. Mais: o modelo SF70H da Ferrari tocou também com o lado direito no muro. Mesmo assim Raikkonen seguiu na corrida, aparentemente sem dano maior.
Uma volta atrás
Já Bottas precisou percorrer devagar a maior parte do 6.003 metros do Circuito de Baku com furo no pneu. Ele perdeu muito tempo. Quando deixou os boxes, o carros estavam abrindo a terceira volta, ou seja, perdeu uma volta.
Voltando à história das apostas. Das nove fichas que colocou em si, Bottas possivelmente tiraria a maioria para destiná-las a seu companheiro de Mercedes, Hamilton, líder e com um dos dois carros mais rápido na pista. O outro era a Ferrari de Sebastian Vettel, segundo colocado, àquela altura, e Raikkonen, quinto.
Pois, acredite, se Ricciardo e Bottas tivessem reduzido a aposta que fizeram em si próprios, baseados na sua experiência em como as corridas se desenvolvem na F1, teriam se arrependido. Profundamente. Como talvez em nenhuma outra temporada da história da F1, a lógica parece não servir muito de referência para projetarmos o que vem pela frente este ano.
Assim, no frigir dos ovos, ao final da 51ª volta, o que sugeria muito pouco provável acabou acontecendo. Ricciardo, o mesmo que largou em décimo, por ter batido na classificação, e feito um pit stop extra no começo da prova, para tirar detritos retidos entre as pastilhas e os discos de freio, venceu a oitava etapa do campeonato. E Bottas, que estava não apenas em último, mas com uma volta atrás de todos, recebeu a bandeirada na segunda colocação.
Vale ou não a pena puxarmos o fio do novelo para desatar o nó, tentar entender a proeza de ambos, favorecidos, claro, pelas circunstâncias únicas da corrida quase única deste domingo, com todos os ingredientes de um grande espetáculo?
A saber: velocidades próximas dos 350 km/h, guerra de vácuo como nenhuma outra pista proporciona, acidentes, entre pilotos de equipes distintas e companheiros, intrigas, acusações, punição, demonstração de competência extrema, determinação, coragem, dentre outros predicados que poderíamos atribuir à segunda edição do GP do Azerbaijão.
Especialista em ganhar provas confusas
“Corrida maluca”, assim a definiu Ricciardo. “Tive muita sorte, o problema de Lewis com o protetor da cabeça (teve de regressar aos boxes na 31ª volta, quando era líder, para fixá-lo), a punição a Sebastian (10 segundos de stop and go por deliberadamente jogar sua Ferrari contra a Mercedes de Hamilton, na 19ª volta, com o safety car na pista, quando era segundo). Nas poucas vitórias que obtive (cinco), a maioria foi em corridas malucas como essa.”
Foram elas, sempre com RBR: Canadá, Hungria e Bélgica, em 2014, Malásia, no ano passado, e Azerbaijão, neste domingo.
Só sorte também não garante nada a ninguém na F1. “Quando soube dos problemas de Lewis e Sebastian comecei a acreditar ser possível vencer, mas teria de fazer tudo bem certo. Eu me mantive superfocado em cada curva, fazer cada volta com perfeição e tirando o máximo do carro, do motor, dos freios.”
Como mencionou, Ricciardo era o 17º na sexta volta. Contou com as dificuldades dos concorrentes, sim, a exemplo das de Hamilton e Vettel, e teve ainda as de Sérgio Perez e Esteban Ocon, da Force India, que colidiram, na relargada da 20ª volta. Todos estavam na sua frente, bem como o companheiro, Max Verstappen, na décima volta, quarto, pouco antes de abandonar, na 13ª volta, com problemas na unidade motriz.
Ultrapassagens espetaculares
A “sorte” de Ricciardo de fato existiu, como também houve demonstração de grande habilidade, demonstrada na espetacular ultrapassagem sobre Felipe Massa, Williams, e Nico Hulkenberg, Renault, na 23ª volta, na freada da curva 1, na relargada, para assumir a terceira posição, a que o permitiu ser líder quando Hamilton e Vettel pararam.
“Sim, essas ultrapassagens foram fundamentais, mas fiz outras na corrida.” Foram as sobre Fernando Alonso, da McLaren, Carlos Sainz Júnior, STR, e Marcus Ericsson, Sauber, na nona volta, para assumir o 11º lugar, e a sobre Kevin Magnussen, Haas, 15ª volta, a fim de ser nono.
Max é tido, com fundamentadas razões, como um supertalento da nova geração de pilotos. E como lembrou Ricciardo, “atravessa um momento de as coisas não se encaixarem para ele”. Abandonou as duas últimas etapas, no Canadá e no Azerbaijão, enquanto ele chegou no pódio nas duas. Ricciardo foi terceiro em Montreal e venceu neste domingo.
Dessa forma, ultrapassou Raikkonen na classificação do mundial, ao assumir o quarto lugar, com 92 pontos, diante de 73 do finlandês. Com os problemas de confiabilidade da unidade motriz Renault, em especial no seu carro, Max segue em sexto, com 45, menos da metade dos pontos de Ricciardo.
RBR, daqui para a frente bem melhor
O GloboEsporte.com perguntou a Ricciardo se agora, com a sensível melhora do chassi da sua escuderia, sendo desenvolvido por ninguém menos de Adrian Newey, e da unidade motriz Renault na versão de Baku, com mudanças no gerenciamento eletrônico, ele e Max têm condições de se inserir dentre os primeiros, como num certo sentido aconteceu no fim de semana. A começar pela próxima etapa, nona do calendário, o GP da Áustria, no circuito da RBR, Red Bull Ring, dia 9.
“Aqui andamos para a frente, nossa velocidade nas retas foi boa e eu nas relargadas ganhei várias posições. Havia diferentes unidades motrizes na minha frente e se não as ultrapassei estive no mesmo nível. Os pequenos upgrades (atualizações) introduzidos aqui ajudaram. Acredito que o problema de Max pode ter sido causado por detritos da pista que acabaram por superaquecer seu carro. Como falei, estamos no caminho certo e nossa meta é nos tornarmos mais e mais fortes”, respondeu Ricciardo.
Esse sempre simpático australiano, que não se deixou contaminar pela obrigação de ser sisudo da F1, pode não ter o supertalento de Max, mas é também um grande piloto, veloz e regular, não tem altos e baixos. É por essa razão que seu nome já começa a circular no paddock como sério candidato a ocupar a vaga de Raikkonen na Ferrari em 2018. Isso se Vettel, o líder do grupo, concordar. Levando em consideração que o alemão perdeu feio a disputa com Ricciardo na RBR, em 2014, o primeiro da era híbrida, é pouco provável que Vettel concorde.
O GloboEsporte.com também fez perguntas a Bottas, a exemplo de se estava ansioso, na 12ª volta, quando o primeiro safety car foi acionado, para a retirada da STR de Daniil Kvyat. O finlandês estava uma volta atrás de todos. Nesses casos, depois de a pista ser limpa, a direção de prova autoriza os retardatários, com uma volta a menos, ultrapassar o safety car para entrar na mesma volta de todos.
Safety cars salvadores da pátria
“Sim, eu cobrei bastante a equipe nessa hora. A autorização não vinha. E quando não havia obstáculos mais na pista e pude ultrapassar já era tarde, não consegui chegar no pelotão da corrida”, disse Bottas. Atrasado, mas pelo menos já estava na mesma volta de todos.
“O que me ajudou de fato a crescer na classificação e chegar no pódio foi o segundo safety car. Com ele, eu encostei nos que estavam na prova bem na minha frente. Agora cada ultrapassagem que fazia valia muito, valia posição”, contou ao GloboEsporte.com. Como Ricciardo, foi sendo favorecido pelo abandono ou problema dos concorrentes na sua frente mas, ao mesmo tempo, ia passando quem aparecesse.
A 14 voltas da bandeirada, na 37ª volta, o piloto da Mercedes já era o quinto, atrás de Ricciardo, líder, Lance Stroll, Williams, segundo, e Ocon, terceiro, e Magnussen, quarto. Bottas ultrapassa o dinamarquês, nessa volta, e fica em quarto, ganha também a posição de Ocon, na seguinte, e já está no pódio, terceiro.
Entre ele e Stroll a 14 voltas da bandeirada havia 14s501 de diferença. O ritmo do finlandês foi de tirar o fôlego, se aproximando na média de um segundo por volta do adversário. A projeção indicava que entraria na última reta podendo usar o DRS para tentar a ultrapassagem no canadense, por estar a um segundo ou menos dele, e receber a bandeirada em segundo.
Pois na última volta Bottas estabelece a sua melhor na prova, terceira no geral, 1min43s925, e de fato pega o vácuo da Williams FW40-Mercedes de Stroll. Como são 2.200 metros de aceleração plena, da realidade um pouco menos, por a linha de chegada ser antes da freada para a curva 1, Bottas alinhou sua Mercedes W08 Hybrid com a traseira da Williams e a poucos metros da linha da bandeirada, mais rápido, ajudado pelo vácuo, desviou para a direita para ultrapassar e cruzar 105 milésimos na frente do agora promissor Stroll.
O finlandês dá detalhes da empreitada, sobre como atropelou nas 14 voltas finais. “Quando eu recebei a mensagem de que Lewis teve de parar para fixar o protetor de cabeça, a informação que ficou comigo era de que o problema atingira Sebastian e não Lewis. Por isso me surpreendi ao saber que Lewis estava atrás de mim. A equipe me passou a diferença para Lance, depois de eu passar Ocon, e se fizesse tudo absolutamente certo o segundo lugar era algo possível”, disse. Seu talento, não do tipo que aparece muito, o levou a essa grande conquista.
Ricciardo e Bottas vão para a pista, agora, com os demais 18 pilotos da F1, no primeiro treino livre do GP da Áustria, dia 7, em Spielberg. Quantas fichas Ricciardo e Bottas vão apostar em si próprios desta vez? Será que os ensinamentos de Baku os educou de alguma forma? Bottas falou sobre isso: “A experiência de hoje mostrou que nunca devemos desistir, nunca sabemos o que vai acontecer numa corrida. O que temos sempre de fazer é manter a cabeça baixa e seguir o tempo todo dando tudo de si”.