“Nó do Diabo” é um filme de terror que reflete sobre como a sociedade brasileira evoluiu –ou não– desde o fim legal da escravidão. Dividido em cinco partes, e dirigido por quatro cineastas, o longa-metragem guarda nas entrelinhas críticas não muito comuns em filmes de gênero.
“Quando a gente está falando de trabalho, fala também de terra, relações sociais, relações sexuais e de gênero. Não só de raça e cor”, define o co-diretor e roteirista Ramon Porto Mota ao UOL. “A gente precisa superar essa ideia do mito da democracia racial e do homem cordial que foi construído nos anos 1930 com Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, e essa necessidade de construir uma sociedade brasileira pacífica. O ‘Nó do Diabo’ reflete essa sociedade construída em cima de conflitos e que tenta jogar os problemas para baixo do tapete”.
Contado de forma não linear, “Nó do Diabo” primeiro apresenta nos dias de hoje um capataz (papel do espetacular Tavinho Teixeira) que cuida de uma fazenda seguindo as ordens de seu patrão. Ao longe, ele encara uma favela enquanto segura nas mãos a espingarda, incorporando um capitão do mato “moderno” para espantar qualquer ameaça.
Nos atos seguintes, volta-se ao passado e mostra como a ideia coronelista segue em voga. Ali, vemos a fazenda que serviu de engenho para diversos senhores e abrigou inúmeros escravos, que morreram e tentaram lutar pela vida. A sacada da produção de usar o ator Fernando Teixeira interpretando o mesmo dono da terra em todos os segmentos, do século 19 ao 21, transmite ainda melhor a ideia da manutenção do poder.”Corra!” brasileiro
O “Nó do Diabo” pode ser comparado ao filme “Corra!”, vencedor do Oscar de melhor roteiro original em 2018, por também fazer uma análise sobre a atual condição racista da sociedade. Ramon disse ter pensado no filme muito antes da produção norte-americana virar a queridinha de Hollywood e admite que ambos promovem a necessidade de discutir a questão étnico-racial, mas também aponta algumas diferenças primordiais.
“Mesmo que seja um filme crítico, [‘Corra!’] tem todo o maquinário de Hollywood por trás. O filme não chega a bater recorde de bilheteria se não tiver uma máquina para colocar o filme em cartaz. E a gente aqui não tem nada. E também tem o fato de que ‘Nó do Diabo’ não podia dar o luxo de ser divertido, como o ‘Corra!’ tem momentos cômicos incríveis”, analisa Ramon.
“Falando de escravidão, isso dura desde 1530 no Brasil. E isso dura até hoje fora do Brasil também. É só ver o Lukaku [jogador da Bélgica que disputou a Copa do Mundo 2018] falando que quando ele joga bem é belga, e quando joga mal é do Congo. Até o ‘Pantera Negra’ está dentro do maquinário de Hollywood e se utilizando deste tema”, contextualiza o diretor.