Vitória da seleção brasileira sobre os Estados Unidos na final dos Jogos Pan-Americanos de Indianápolis faz aniversário nesta quarta-feira e segue viva na memória de seus personagens
O dia 23 de agosto de 1987 é uma data histórica para o basquete. Não só para o Brasil, que comemora o gigantesco feito de ter vencido os Estados Unidos na final dos Jogos Pan-Americanos de Indianápolis, um resultado até então inédito em solo americano. É um divisor de águas na cultura do esporte. Nesta quarta-feira, aquela final completa 30 anos, disputada seis meses antes do nascimento de Stephen Curry, astro do Golden State Warriors, atual campeão da NBA, e principal herdeiro do estilo de jogo brasileiro que surpreendeu o mundo na época.
Naquela final, o Brasil converteu 10 bolas de três em 25 tentativas, algo fora do comum para a época. No basquete internacional, a linha de 3 pontos havia sido instituída três anos antes do Pan. Curiosamente, a NBA já a utilizava, com uma distância maior, desde 1979, mas ainda longe de ser parte da estratégia do jogo como acontece atualmente. Os universitários, que formaram a seleção americana, haviam jogado com a linha de 3 pontos apenas na temporada 1986/87.
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– Nós não ajudamos a fazer uma revolução no basquete, nós fizemos. O que nós mostramos há 30 anos é o que está sendo aceito pelo mundo hoje. Com os times da NBA fazendo a mesma coisa. O arremesso de três pontos deu uma nova dimensão para o jogo, abriu a quadra. As defesas não podiam mais ficar no garrafão, tinham que sair. Isso provocou um maior jogo individual, um contra um. E hoje a gente vê na NBA que o jogo um contra um é o que prepondera porque você tem que marcar o arremesso de três pontos – disse Marcel, autor de duas cestas de três naquele jogo.
A grande estrela daquele jogo, no entanto, foi Oscar. Ele converteu sete bolas de 3 em 15 tentativas. O brasileiro havia sido escolhido pelo New Jersey Nets no Draft de 1984, mas não aceitou o convite para jogar na NBA. Na época, isso o impediria de defender a seleção brasileira. No All-Star Game desse ano, recebeu homenagens da maior liga de basquete do mundo e do Brooklyn Nets.
– O Brasil é o país do futebol. O basquete ganhou, que bonitinho, fizeram festa, mas não teve aquele negócio de chegar com a bandeira do lado de fora do avião. De ir ao Palácio do Planalto e o Vampeta dar cambalhota. O brasileiro gosta mesmo é de futebol. Mas o brasileiro gosta de ver suas seleções ganharem. Isso não foi aproveitado como deveria. Cada um foi para o seu clube. Da mesma maneira que explodiu, sumiu. Mas o povo recorda sempre dessa vitória. Foi há 30 anos, mas parece que foi ontem. Uma vitória maiúscula, grande, gigantesca – comentou Oscar.
É possível tratar essa revolução como um certo ufanismo. No entanto, as palavras de quem perdeu aquela final demonstram a importância daquele resultado. Depois de perder o Pan de 1987, os Estados Unidos não conseguiram conquistar a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Seul, em 1988. Os universitários ficaram apenas com o bronze. Até então, os americanos só não haviam conquistado o ouro uma única vez, em 1972, quando foram derrotados pela União Soviética na final. Após a derrota no Pan e o bronze em Seul, decidiram brigar para levar os “profissionais”, que atuavam na NBA. Era o nascimento do “Dream Team”. Com a liberação da Federação Internacional, criou-se o time dos sonhos com Michael Jordan, Magic Johnson e Larry Bird, coroado com a conquista dos Jogos de Barcelona, em 1992.
– Aquele jogo teve dois impactos profundos no basquete. O primeiro é que mudou o pensamento americano, a derrota de 87, mais a derrota para a Rússia em 88 na Olimpíada, isso fez o país pensar que não dava mais para mandar os meninos da universidade. E a outra coisa que aconteceu é que as pessoas viram como aquele time do Brasil jogava. Descidas muito rápidas, grandes movimentos com a bola e muitos arremessos! Você vê o Golden State Warriors e outros times da NBA tentando ter esse mesmo estilo – disse Bill Benner, diretor de comunicação do Indiana Pacers, na época repórter do IndyStar, principal jornal de Indianápolis.
Os campeões
Jogadores | Pontos no Pan |
André | 11 |
Gerson | 62 |
Israel | 78 |
Pipoka | 23 |
Guerrinha | 55 |
Marcel | 187 |
Maury | 12 |
Oscar | 249 |
Paulinho Villas Boas | 47 |
Cadum | 47 |
Rolando | 12 |
Silvio | 6 |
Para se chegar a essa conquista histórica, muito precisou ser feito. Primeiro, o técnico Ary Vidal deu sinal verde para Oscar e Marcel arremessarem à vontade. Os brasileiros mostraram sangue frio mesmo quando ficaram 20 pontos atrás no placar. Depois, usaram a experiência em quadra, provocando os rivais e dando espaço para os rivais tentarem as bolas de três, que não fazia parte do plano de jogo americano. Os Estados Unidos converteram apenas duas de 11 tentativas na final.
– Em fevereiro (de 1987) houve um congresso (em Nova Orleans). O técnico americano (Denny Crum) fez a palestra dele e deu todas as coordenadas. Foi ouro para o Ary porque tudo estava mastigadinho. Ele chegou para o técnico dos Estados Unidos e falou: “Olha, sua palestra foi muito boa, eu gostei muito, mas quem vai ganhar o jogo sou eu”. E só ele acreditava naquilo, mas deu certo – lembrou Heloísa Vidal, viúva de Ary.
Campanha do Brasil no Pan 87
Brasil 110 x 79 Uruguai
Brasil 100 x 99 Porto Rico
Brasil 103 x 98 Ilhas Virgens
Brasil 88 x 91 Canadá
Brasil 131 x 84 Venezuela
Brasil 137 x 116 México
Brasil 120 x 115 Estados Unidos
Na época, havia um temor de uma derrota vexatória. Mas os membros da comissão técnica procuravam passar confiança para os jogadores. Mostrar que poderiam alcançar um feito histórico. Algo muito além de apenas um jogo. As consequências daquela conquistas são inestimáveis. Faltou o Brasil aproveitar melhor para se estabelecer como potência. Hoje, a modalidade sofre, mas deixou na memória de seus fãs uma marca. Uma exposição no Sesc de São Paulo tenta resgatar um pouco desse espírito de olho nas futuras gerações.
– A gente percebe muito pai que vem trazer o garoto para jogar, para brincar aqui, lembrando. Os pais sentam na arquibancada para assistir ao documentário. É uma coisa muito emocionante, são 10 minutos em que a gente vai contando essa história. O que aconteceu naquela ocasião se repete um pouco aqui. O basquete estava ali perdendo um pouco o posto de segundo esporte brasileiro para o vôlei. E houve um reequilíbrio. Hoje o basquete está enfrentando uma crise muito grande, e o fato de você rever uma partida como essa faz pensar que o basquete brasileiro merece consideração, merece um carinho – disse Marcelo Duarte, curador da exposição.
*Participaram da produção Cláudio Nogueira, Laura Fonseca e Thales Soares
http://globoesporte.globo.com/basquete/noticia/a-revolucao-de-1987-os-30-anos-do-feito-que-mudou-o-basquete-para-sempre.ghtml