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Aos 39, Formiga descarta volta à Seleção e diz que pretende atuar por mais três anos

Formiga deixou de vestir a camisa da seleção brasileira em dezembro de 2016. No Torneio de Manaus, vencido diante da Itália, uma das maiores jogadoras do futebol feminino no país encerrou seu ciclo de mais de 20 anos com a camisa amarelinha. Mas isso não significou a aposentadoria dos campos. Ela seguiu trilhando seu caminho de sucesso na França como uma das atletas do Paris Saint-Germain. Em julho, renovou por mais uma temporada com o clube francês e não pensa em pendurar as chuteiras tão cedo. Como ela fala, pretende seguir por mais dois anos, mas acredita que o prazo será ampliado para três. Aos 39 anos, tem físico, vontade e saúde de sobra para seu objetivo.

– Para te falar a verdade, eu ainda não estou planejando nada para me aposentar de vez dos gramados. Pretendo jogar ainda dois anos. Falo dois, mas acredito que vá se estender para três. É que a vontade ainda é muito grande de poder estar atuando. Quem sabe. Vai depender muito do homem lá de cima porque o futuro a ele pertence. É o que eu planejo para mim – afirmou ela em entrevista exclusiva ao blog Dona do Campinho.

Sobre a seleção brasileira, Formiga coloca que sua decisão foi definitiva, mas deseja estar presente de outra forma depois que a jornada nos gramados for encerrada. Já tendo sido parte do conselho de futebol feminino criado pela CBF durante o comitê de reformas, a jogadora quer novamente ajudar, mas ressalta: só irá participar se realmente o objetivo de todos for mesmo a ajuda à modalidade da maneira correta.

– Jogar futebol a gente vai ter saudade sempre principalmente no Brasil. Pessoalmente, esses anos todos que vesti a camisa da seleção brasileira foi algo que realmente marcante na minha vida. Mas voltar a vestir a camisa (da Seleção) acredito que não. Minha decisão foi realmente definitiva. Gostaria sim de poder trabalhar de certa forma na Seleção, mas se realmente houver uma mudança muito grande para o futebol feminino. Eu entendo que nem tudo parte diretamente da CBF. Nem tudo tem que ser feito por eles. Eu sei que não parte só dela, da CBF. Não cabe só a ela fazer tudo. Acho que as federações, os estados deveriam fazer sua parte para ajudar o futebol feminino. Deveria haver mais interesse de algumas ex-jogadoras de poder estar envolvidas. É claro que para isso precisa do aval lá de dentro. Se realmente as coisas começarem a melhorar e pensarem realmente no futebol feminino da maneira que tem que ser ajudado sem dúvida alguma quero um espaço lá, quero poder ajudar de todas as maneiras. Mas não cabe só a minha pessoa, infelizmente.

Aliás, o futebol feminino no Brasil é um tema que provoca muita preocupação à jogadora. Questionada sobre o processo de renovação na seleção, ela faz um alerta para a lenta evolução no trabalho de lapidar novos talentos na base. A atleta elogia o trabalho de Emily, mas acredita que não basta somente a treinadora fazer sozinha esse processo. Ela clama por mais competições fortes em categorias inferiores. Com conhecimento, cita os casos de França e principalmente Alemanha, que até mesmo na última Euro usou a disputa para já dar experiência a meninas mais novas. Ou seja, elas já chegam lapidadas na principal sem precisar que todo um trabalho seja feito para somente depois obter resultados.

– A evolução é lenta. Não digo na parte da Emily. Ela está fazendo um ótimo trabalho. Mas infelizmente a gente acaba perdendo nesse meio tempo em lapidar essas meninas novas. Infelizmente nosso trabalho da base é muito ruim. A gente não tem um campeonato tão forte e bem disputado como se vê fora. Como se vê aqui na França mesmo, na Alemanha, onde há campeonatos, onde as treinadoras da principal não têm tanto trabalho de estar fazendo convocações, tentando lapidar essas meninas. E é difícil. Infelizmente, estamos ainda fazendo peneiras para ver meninas. Algo que ja poderia estar bem melhor nesse sentido. De se ter campeonatos dos times, não digo só de camisas. Outros poderiam ter essa base do sub-15 em diante. Eu vejo que há meninas hoje da Alemanha que estavam na sub-19 e hoje já estão na principal, lapidadas, para justamente a treinadora não perder muito tempo em estar mostrando o caminho para essas meninas. Já chegam prontas. Não tem que perder muito tempo.

Formiga acredita que até mesmo por isso o Brasil chega até com certa frequência em fases mais adiantadas, mas acaba faltando o algo mais, que seria garantido com uma formação melhor desde as outras fases de formação das jovens. A atleta torce para que, com a entrada dos clubes tradiocionais, um novo cenário de incentive se forme, apesar de não ver como uma boa solução obrigar os times a formarem equipes no feminino por obrigação.

– Infelizmente, a gente está muito atrás dessas outras seleções. Por isso que a gente às vezes chega, chega e não consegue porque tem que se trabalhar o todo. Não é só a parte técnica e tática. Tem uma parte psicológica também que tem que ser trabalhada. As meninas já têm que ser trabalhadas nessa parte de concentração, de levar as coisas a sério, de mostrar que é possível chegar e melhorar. Tem a parte de alimentação também. Então é muita coisa envolvida. Tenho certeza que para a gente chegar a esse nível aqui de fora a gente vai ter que rever muitas coisas realmente e fazer com que as federações também ajudem os clubes. Porque às vezes você faz com que eles tenham essa obrigação. Quando você faz as coisas por obrigação não acho legal. Você tem que ter vontade de fazer, fazer as coisas com gosto. Por obrigação, eu vejo fazer por fazer. Não acho legal. Eu espero que melhore com esse novo incentivo de que os clubes têm que ter, mas eu penso muito na base. Infelizmente, a gente perde muito tempo. O que eu queria mesmo é que isso acabasse.

Formiga tem a autoridade de quem sempre foi exemplo de dedicação para falar sobre o futebol feminino. A idade ou algum desgaste nunca foram um impedimento para que ela  desse 100% em qualquer lugar por onde passou. Para ela, esse é o segredo de manter o alto nível até aqui. Ela garante que a melhor forma de tentar orientar as mais jovens que vêm surgindo na modalidade é dar o exemplo. Falar pode não surtir o mesmo efeito do que ser um modelo de determinação.

– Vem muito da minha dedicação, da minha vontade de treinar e de querer dar 100% no dia a dia não só dentro de campo, mas fora também. É importante você ter esse comportamento fora para dar exemplo para as demais também. Procuro tudo na vida fazer com muito amor, muita determinação e muita vontade. Eu acho que é por isso que eu estou jogando até hoje em alto nível. Eu falo para as meninas que uma coisa que graças a Deus eu não tenho é preguiça de economizar nos treinamentos, jogos. Se for para ajudar então que seja 100%.

Formiga– Eu tenho comigo nessa parte de exemplo e motivar as meninas jovens é justamente com minhas atitudes dentro de campo. Acredito que se falar menos e agir mais, fazer as coisas corretas ali dentro do campo, dia a dia, nos jogos, isso chama mais atenção do que se você falar. Hoje em dia, muitas meninas não gostam muito de escutar. De você chegar e tentar orientar com palavras. Acho que as ações dentro de campo são maias percebidas do que na fala. Podemos falar muitas coisas, incentivar e entrar por um ouvido e sair por outro. Acho que essa minha maneira da entrega, de se entregar 100% nos treinos e sempre brigando para não estar fora de nenhum, isso chama mais atenção. Faz com que elas queiram chegar mais a esse momento: estou com 39 anos, mas com muita vontade, muita garra, parte física muito boa. Então penso dessa maneira. Essa minha maneira de ser vem motivando muito elas aqui também e creio que no Brasil, onde muitos pensaram que até hoje que eu parei de jogar futebol. Agora sabem que não e acaba espantando. Fico feliz de estar motivando muitas meninas ainda.

A aplicação também encanta o treinador do PSG, Patrice Lair. O comandante apelidou Formiga como a jovem do grupo. Ela diz que algumas pessoas podem ter desconfiança em razão de sua idade, mas a confiança do técnico é o que a faz seguir em frente com os objetivos.

– Acho bacana do treinador aqui ter essa confiança, ter passado essa tranquilidade para mim apesar de 39 anos. Sei que algumas pensam que talvez não vá render, mas também sou grata a Deus por ter essa oportunidade de estar trabalhando e passando essa confiança para ele. Eu sei que, como ele mesmo chama, eu sou a jovem do grupo (risos). Acho engraçado isso. É gratificante.

A aposta é tanta em Formiga que a brasileira foi titular na final da última edição da Champions League diante do Lyon. A derrota chegou nos pênaltis, mas a jogadora celebra muito a oportunidade de estar em um palco tão grandioso como a decisão da disputa europeia. Ela garante que o objetivo é ir bem no Francês para assegurar novamente uma vaga na disputa – na atual temporada, o PSG não disputa o torneio europeu, pois não garantiu classificação.

– Eu sempre tive um sonho, um desejo muito grande de disputar uma Champions e eu nunca perdi a esperança de um dia participar antes de encerrar minha carreira. Eu fiquei muito feliz quando veio a proposta do PSG e sem dúvida alguma não pensei duas vezes. Foi a realização de um grande sonho. Só tenho que agradecer a Deus e ser grata a ele por ter me dado saúde de poder realizar mais um sonho. Uma emoção muito grande de poder ter participado dessa final. Infelizmente não consegui o objetivo final, mas acho que valeu muito nosso empenho ali dentro e espero ter mais uma chance de participar mais uma vez e quem sabe dessa vez ser encerrado com glória. Estaremos lutando aqui nesse campeonato para se classificar e ter mais uma oportunidade na próxima temporada – garantiu ela, que tem Erika como companheira de PSG (foto abaixo).

Erika e Formiga no treino do PSG

A vida na França chegou depois de um momento de dedicação a um objetivo com a seleção brasileira que, infelizmente, acabou não acontecendo. Na temporada 2015/2016, ela preferiu ficar no Brasil para ter uma preparação mais focada aos Jogos Olímpicos. Ela revela que chegou a recusar uma proposta do mercado chinês.

– Logo quando começou essa movimentação do campeonato na China, eu recebi  duas propostas para ir jogar. Foi bem na época também que estávamos em preparação para as Olimpíadas. A gente havia voltado do Mundial, se não me engano. Eu pensei muito em ficar no Brasil justamente para poder me preparar bem e poder corresponder à altura do que o torcedor de uma certa maneira esperava do nosso empenho. Também de incentivar as meninas que ficaram no Brasil. Para mim a preparação seria melhor do que estando fora (do país). Recusei não somente da China como outras também.

Ah, Formiga não deixou de comentar sobre seu mais recente companheiro brasileiro de PSG: Neymar. Ela torce para que o atacante assegure o tão desejado troféu de melhor do mundo. A jogadora acredita que até mesmo o time feminino do clube pode vir a se beneficiar com a transferência milionária. Isso porque, na Europa, a integração entre masculino e feminino é bem maior até mesmo na divulgação e marketing das duas modalidades. Algo que no Brasil raramente se vê.

– Eu acredito que ele tem que continuar sendo o que ele é. Não mudar nada. Está vindo para um clube que as atenções vão estar voltadas para ele. Vai estar mais visto do que estava lá. Sei que lá ele também era feliz no Barcelona. Tinha um grande elenco, um grande clube. Não tenho dúvidas que aqui ele também vai se sentir feliz e desejo muita sorte para ele. Que realmente consiga seus objetivos aqui no PSG. Que seja feliz. Que possa fazer diferente do que foi lá, mas que ele continue sendo o mesmo cara. Dentro de campo fazendo o que ele gosta e com alegria, com amor e que ele quem sabe venha a se tornar o melhor do mundo e é o que eu desejo para ele.

– De uma certa forma acho que traz algo para o feminino. Acho isso legal. Aqui eles têm essa coisa que no Brasil não temos de aproximação, de se ter esse desejo que dê tudo certo não só no masculino, no feminino também. A valorização, o respeito que eles têm aqui. E que às vezes no Brasil, os clubes até mesmo a Seleção colocam uma barreira entre o feminino e o masculino. Não acho legal, acho isso um absurdo. Mas isso é da cultura e vai da mentalidade de quem está dirigindo, comandando essa equipe. Eu cito bem assim o Santos e o próprio Corinthians que são times de nome, mas que não colocam essa barreira entre o feminino e masculino. Acho que deve ter outros com esse exemplo que não estão vindo na cabeça agora. Que siga isso por muitos e muitos anos e sirva de exemplo para outros clubes também. E aí vamos dizer isso até mesmo para a seleção. Acho horrível quando você coloca essa barreira entre um e outro. Complicado. Mas a tendência é que as coisas possam melhorar não só com a presença dele, mas com os demais que estão chegando também. PSG está se fortalecendo bastante e sei que coisas boas vêm para o feminino com essas contratações.

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