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Quão realistas são os planos da Rússia de reforma militar?


Kremlin anunciou que vai reforçar o exército nacional com 350 mil homens. Mas de onde virão os novos soldados e, em vista das sanções internacionais, como Moscou pretende financiar a ampliação? Soldados do exército russo participam de um evento marcando o 80º aniversário da quebra do cerco nazista de Leningrado, (agora São Petersburgo) durante a Segunda Guerra Mundial, no monumento dos Heróis Defensores de Leningrado, em São Petersburgo, Rússia, quarta-feira, janeiro 18 de 2023.
AP Photo/Dmitri Lovetsky
A Rússia quer ampliar seu exército em mais 350 mil soldados, para 1,5 milhão de homens. Como justificativa, o ministro russo da Defesa, Sergei Shoigu, disse recentemente que a “segurança militar do Estado” e os “novos objetos” (como descreve as áreas da Ucrânia anexadas ilegalmente pela Rússia), mas também a segurança de “instalações críticas” no país, só estariam garantidos “se forem reforçados os componentes estruturais mais importantes das Forças Armadas”.
A reforma iniciada em 2022 deverá ser concluída em 2026. Ela incluiria a restauração dos antigos bairros militares de Moscou e São Petersburgo, e a criação de novas tropas nas áreas sob ocupação russa na Ucrânia, assim como 12 novas divisões móveis.
Reforço na Carélia
Além disso, será formado um novo corpo militar na Carélia, com três divisões de fuzileiros motorizados como parte das forças terrestres e duas divisões de paraquedistas. Essa região russa faz fronteira com a Finlândia, que, como a Suécia, se candidatou a ingressar na Organização do Tratado do Atlântico Norte.
“A tropa na Carélia é uma resposta à expansão da Otan”, diz o especialista militar israelo-ucraniano David Sharp. Segundo ele, a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia mostrou que, numericamente, o exército russo não é capaz de cumprir sua missão e ocupar o país vizinho.
Além de aumentar o as tropas, Moscou também quer mudar sua organização.
“A reforma visa agilizar a transição de brigadas para divisões, dando mais autonomia às unidades. As mudanças visam objetivos de longo prazo e menos para corrigir a situação atual no front”, diz o especialista.
Caça aos novos soldados
No entanto, o ponto mais importante da reforma anunciada − o aumento do exército em 350 mil homens − levanta questões entre os observadores. De onde virão os soldados para as novas unidades?
Na Rússia, hoje, todos os homens entre 18 e 27 anos devem prestar o serviço militar obrigatório. Cerca de 270 mil recrutas são convocados anualmente, na primavera ou no outono, para um ano de treinamento. Até agora, porém, muitos deles conseguiam escapar do recrutamento por estarem frequentando a universidade ou por meio de suborno.
A idade de convocação deve ser elevada dos atuais 18 a 27 anos para 21 a 30 anos.
“Isso faz parte da reforma. Os recrutas de 18 anos ainda são ‘crianças’ e dificilmente aptos a lutar, enquanto os de 27 a 30 anos são fisicamente mais fortes e já têm treinamento útil ao Exército”, explica David Sharp.
Ele acredita que, no futuro, serão convocados significativamente mais recrutas.
Numa primeira etapa, no segundo trimestre de 2023, no entanto, apenas a idade máxima será aumentada para 30 anos. O limite inferior deve ser elevado numa data posterior, não especificada. Isso expandiria para quase 2 milhões o número de homens sujeitos ao alistamento.
O presidente russo, Vladimir Putin, ao centro, fala enquanto o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, à esquerda, e o chefe do Estado-Maior, general Valery Gerasimov, participam de uma reunião com oficiais militares de alto escalão em Moscou, Rússia, quarta-feira, 21 de dezembro de 2022.
Sergey Fadeichev, Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP
Ameaças de mobilização geral
Enquanto isso, prosseguem as discussões sobre mais mobilizações, sobretudo desde que, recentemente, o Kremlin confirmou ainda ser válido o decreto presidencial de setembro de 2022, ordenando “mobilização parcial” em conexão com a guerra contra a Ucrânia.
“Se falarmos sobre o curso desta guerra, a reforma anunciada só pode ser implementada com mobilização adicional. Para elevar o exército a 1,5 milhão de homens, devem ser convocados centenas de milhares. O número de soldados é o único trunfo que a Rússia ainda tem”, diz Sharp.
O especialista ucraniano Andriy Ryschenko, ex-vice-chefe do Estado-Maior da Marinha de seu país, não acredita que mais mobilizações vão ajudar a Rússia. O Estado-Maior russo ainda estaria ocupado distribuindo os recrutas da primeira leva de recrutamento, e “os novos simplesmente ficam sentados sem fazer nada”.
Ryschenko acrescenta que até agora o Kremlin tem tentado, sem sucesso, compensar as perdas na guerra com a última mobilização, e a reforma também não trará nada no curto prazo: “Desde o início da guerra, a Rússia sofreu perdas muito pesadas, que pretende compensar. Mas novos soldados só devem chegar ao front antes do próximo inverno [dezembro a março].”
O mistério do financiamento
O aumento planejado do contingente russo é o segundo durante a guerra contra a Ucrânia. Em agosto de 2022, o presidente Vladimir Putin aumentou a força máxima em 140 mil homens. Juntamente com os 350 mil adicionais agora previstos, isso significaria quase meio milhão de novos soldados a serem equipados com armas e uniformes, implicando um enorme ônus para o orçamento nacional.
A queda das receitas de petróleo e gás, dificulta o financiamento de tudo isso.
“Essa reforma requer muitos recursos, não apenas dinheiro e pessoal. São necessários equipamentos e infraestrutura para esses 350 mil homens. Além disso, é preciso treinar especialistas para orientar os recrutas”, destaca David Sharp.
Ele não descarta que muitas da unidades recém-criadas só existam no papel ou não recebam equipamentos militares, e “a reforma parece irreal numa parte significativa do que promete”.
Segundo Ryschenko, custa cerca de 80 mil dólares equipar um soldado com tudo do que ele precisa. Diante dos custos elevados e da quebra do orçamento estatal, ele duvida que a reforma possa ser concretizada, e ressalta que a Rússia também depende de componentes estrangeiros para equipamentos militares. Além disso, tal medida não é popular entre o povo.
“Em última análise, muitos russos não estão dispostos a ir para a guerra”, conclui Ryschenko.

Fonte: G1 Mundo