STJ vai decidir se canções ‘recicladas’ podem ser usadas em campanha. O g1 explica como briga entre Tiririca e Roberto Carlos abriu precedente judicial para jingles com versões. Da esquerda no sentido horário: Baitaca, Barões da Pisadinha, Manno Góes e Tones and I, compositores de músicas que foram bases para jingles eleitorais em 2020 sem autorização deles
Divulgação e Felipe Oliveira
Mais de 350 músicos, incluindo Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Zeca Pagodinho, Marisa Monte e Samuel Rosa, assinaram um manifesto contra a versão de músicas em campanhas eleitorais.
O tema tem previsão de ser julgado no STJ (Superior Tribunal de Justiça) nesta quarta-feira (9). O plenário vai decidir se as versões de canções para campanhas políticas devem ser consideradas paródias e, por isso, e isentas de autorização e pagamento de direitos autorais.
O g1 já explicou a briga: as eleições de 2020 no Brasil foram cheias de melodias conhecidas e autores contrariados. De sucessos sertanejos a hits gringos, com destaque para o forró de pisadinha, ritmo do momento pelo interior do país, tudo virou jingle.
YouTube virou mercado aberto com produtoras oferecendo a criação de versões de sucessos diversos em forma de jingle político
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‘Portão’ aberto por Tiririca
A prática é antiga, mas aumentou com um precedente: uma disputa entre Tiririca e Roberto Carlos. Ela começou em 2014, quando o clássico refrão “Eu voltei, agora pra ficar, porque aqui, aqui é o meu lugar” virou “Eu votei, de novo vou votar, Tiririca, Brasília é seu lugar”.
Tiririca chegou a ser condenado em 1ª instância pelo uso da música “O portão” em propaganda eleitoral sem autorização dos autores, Roberto e Erasmo Carlos. Mas o deputado federal pelo PL recorreu e, no fim de 2019, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reverteu o resultado.
A defesa de Roberto Carlos recorreu, e finalmente haverá em 2022 o julgamento do embargo de divergência, que questiona o conceito de paródia no caso. Agora, o plenário vai avaliar a decisão.
Tiririca chegou a ser condenado a pagar indenização por usar música de Roberto Carlos em campanha, mas recorreu e ganhou em segunda instância
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A decisão do STJ até agora favorável a Tiririca diz que o uso alterado de canção em programa político deve ser considerado “paródia”, e por isso ser isento de autorização e de pagamento de direitos autorais.
Mercado aquecido em 2020
“Quando algum cliente fica na dúvida, eu pego e mando o link de notícia sobre o caso do Tiririca para tranquilizar”, disse Geycilene Martins, 39 anos, dona de uma produtora de jingles em Teixeira de Freitas (BA). Ela calculava em 2020 que 90% de sua produção atual era de versões.
O YouTube ficou lotado de vídeos de demonstração destas produtoras, que oferecem para candidatos a prefeito e vereador a finalização de “paródias” de diversos sucessos.
O G1 conversou com seis produtores de jingles que trabalham para candidatos de todas as regiões do Brasil, e eles disseram que:
A demanda por versões em jingles, que eles chamam de paródia, aumentou em 2020. Todos comentam a brecha do caso Tiririca como incentivo para o aumento.
Elas foram mais pedidas para campanhas de vereadores do que de prefeito, e mais para cidades menores que capitais.
Mas, em 2020, até grandes campanhas de prefeito encomendaram jingles de versões.
O preço de um jingle varia bastante. Mas, em média, uma faixa “reciclada” custa menos da metade de uma música original.
Até a australiana Tones and I tem o hit ‘Dance monkey’ usado em ofertas de jingles da eleição municipal do Brasil
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‘Promoção’
Além da brecha de “O portão”, há outra vantagem da versão: com a música semipronta, fica mais fácil trabalhar sozinho ou em equipes menores em tempos de pandemia.
“O inédito toma muito tempo e fica mais difícil nesse distanciamento social. Tem que juntar a galera. A gente está prezando pelos que já temos produzido”, explica Waldir Lima Gonçalves, 49 anos, que produz jingles em Três Corações (MG).
“Um ‘original do zero’ a gente entrega por R$ 1 mil. Para reproduzir uma música nossa que já tenha modelo, a gente cobra R$ 500. E ‘paródia’ agora está por R$ 149. Lembrando que é uma promoção”, anuncia Yago Silva, 26 anos, produtor de Monteiro (PB).
Pisadinha com força
Barões da Pisadinha
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Um nome que apareceu em todas as conversas com produtores é o dos Barões da Pisadinha. O duo baiano de pisadinha, um forró tocado só no teclado, tem o repertório mais pedido para versões em 2020.
“Barões é uma febre. Já fiz pelo menos umas cinco ou seis músicas diferentes deles”, diz Renilson Barros, 36 anos, produtor de jingles de São Paulo.
“O que o povo tem pedido muito é a tal da pisadinha. Aqui na Bahia tem também nosso pagode: Léo Santana, Igor Kannário. E nos outros lugares têm os funks, o brega-funk”, acrescenta Gecylene Martins.
Os Barões chegam longe. “Embora a gente esteja no Sul, o pessoal tem pedido bastante o piseiro”, diz Giovani Del Mas, 36 anos, de Guaporé (RS). “Mas acabam pedindo mais ritmos do Sul. Normalmente o chamamé [ritmo argentino de origem indígena] e o vanerão”, diz.
Produtoras oferecem a produção de ‘paródias’ dos Barões da Pisadinha para candidatos
Reprodução / YouTube
‘Baitaca fogo’ na campanha
Foi um ídolo do vanerão gaúcho que teve a reação mais irada contra as paródias em 202o. “Do fundo da grota”, de Baitaca, é um sucesso que passou batido no eixo Rio-SP, mas virou fenômeno pelo interior do país.
A faixa foi campeã de pedidos de jingles na região, contou Claudir Koren, que trabalha há 20 anos em campanhas em Santa Rosa (RS). “Não só aqui como no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, até Rondônia. Tem muita gente que leva o vanerão para cima.”
Claudir foi um dos que desistiram de usar “Do fundo da grota”. Mas ele discorda da atitude de Baitaca. “Foi um tiro no pé. O pessoal só faz jingle se a música é boa. Agora todo mundo teve que tirar e ficou contra ele, ‘garrou um ódio’ dele”, critica o produtor.
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O g1 procurou Baitaca, que encaminhou mensagens com a mesma opinião do vídeo: para ele, a decisão do STJ sobre Tiririca e Roberto Carlos foi específica, equivocada na sua visão, e não anula seu direito de autorizar ou não o uso de sua própria obra.
“O uso da obra em propaganda política visa ‘vender’ um projeto, uma ideia. Neste momento, não temos a homenagem ou sátira, e sim a apropriação de obra de terceiro, para proveito, projeção”, opina o cantor gaúcho.
Barões vermelhos de raiva
O G1 procurou os Barões da Pisadinha para saber o que acham do uso de suas músicas em jingles. O empresário da dupla, Ordiley Katter Valcari, diz que já havia notado a presença em inúmeros jingles não autorizados e que iria tomar “providências jurídicas cabíveis”.
“Infelizmente pouquíssimos candidatos nos procuraram para regularizar a situação. Acho que o Tribunal Regional Eleitoral de cada região deve exigir na prestação de conta de cada candidato a autorização do artista para o uso da sua obra”, disse.
“Pois se na campanha já estão agindo assim, imagine no mandato”, critica o empresário.
Dúvidas musicais
O advogado Sidney Sanches, presidente da comissão de direito autoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), explica que o direito autoral brasileiro dá espaço à paródia para assegurar liberdade de expressão e o humor no debate público.
Por isso, a lei abre uma exceção para a paródia e não exige autorização do autor para estes casos. Mas, para Sidney, a versão de Tiririca não tem o objetivo previsto por essa definição de paródia, e sim o da “capitalização de um interesse pessoal”.
Show do cantor Roberto Carlos
Natália Clementin/G1
A decisão do STJ não é final e foi só sobre o caso de “O portão”, explica o advogado. “Mas lógico que, tratando-se de quem é, e o precedente que foi, que vai impactar. É um sinal negativo nas eleições para os compositores.”
O brega-funk “Tudo ok” é outro hit entre as produtoras que oferecem paródias no YouTube
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O advogado aponta outro problema: se para a justiça a questão não é clara, as redes sociais, cada vez mais importantes na eleição, podem reconhecer o direito do autor e derrubar versões sem autorização.
Em uma campanha cada vez mais digital, pode ficar estranho: “O YouTube pode tirar do ar, seguindo suas políticas. E essa proibição não necessariamente vai se repetir na propaganda de TV e rádio ou no carro de som na rua. Isso é uma preocupação”, diz Sidney.
Versões de Anitta também são oferecidas por produtoras de jingles eleitorais
Reprodução / YouTube
Axé eleitoral
Nessa toada incerta, compositores tentam reagir. O baiano Manno Góes, autor de diversos sucessos do carnaval de Salvador e diretor de comunicação da União Brasileira de Compositores (UBC), considera a decisão inicial do STJ “um precedente perigoso, inédito, que não existe em nenhum lugar do mundo”.
O problema é antigo, mas ele já se sentiu mais protegido. “Já tive a música ‘Praieiro’ usada por um candidato com sobrenome Guerreiro [palavra presente no hit do Jammil e Uma Noites]. Entrei com ação e ganhei. Depois fizemos um acordo, como deve ser.”
Em 2020, ele teve dois pedidos formais para o uso de “Milla”, outro sucesso de sua autoria. Mas é fácil achar outras versões não autorizadas do sucesso na voz de Netinho vertido em jingle para 2020, prometendo mil e uma noites de amor com o eleitor.
O autor da música diz que, mesmo com a decisão sobre Tiririca, não está disposto a deixar o portão aberto. “Se não é autorizada, eu entro na justiça, sim. Tem briga, dá dor de cabeça, mas tem que encarar”, diz Manno.
Fonte: G1 Entretenimento