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Cabeleireira mora em Cangaíba, na Zona Leste, com o marido e três filhos. Ela deixou Luanda às pressas e não conseguiu se despedir da menina.


Por Letícia Macedo, G1

Angolana espera conseguir dinheiro com vaquinha virtual para trazer filha de Luanda para São Paulo (Foto: Marcelo Brandt/ G1)Angolana espera conseguir dinheiro com vaquinha virtual para trazer filha de Luanda para São Paulo (Foto: Marcelo Brandt/ G1)

Angolana espera conseguir dinheiro com vaquinha virtual para trazer filha de Luanda para São Paulo (Foto: Marcelo Brandt/ G1)

A cabeleireira angolana Nascimento* mora na Zona Leste de São Paulo, com o marido e três filhos, mas sua família ainda não está completa. Na fuga para o Brasil, ela deixou para trás sua menina mais velha, que está agora com 12 anos.

Marcos, de 7 anos, não esquece da irmã. “Quando ela vem morar com a gente?”, costuma perguntar para a mãe, de 28. E esses questionamentos atormentam ainda mais a cabelereira, que teve que deixar Luanda às pressas em setembro de 2014.

“A família tem que estar junta. Se tiver comida, come, mas tem que ficar sempre reunida”, diz com a voz embargada, de cabeça baixa. Mas apenas com o salário de R$ 900 do marido, que trabalha como faxineiro, fica difícil financiar o sonho de trazer a filha Diara, que atualmente mora com a tia. Só o aluguel do quarto e sala, em Cangaíba, consome mais da metade do dinheiro. O que sobra é para a alimentação das crianças.

Foi quando uma amiga brasileira, comovida com a dor da mãe, criou uma vaquinha virtual para pagar o passaporte e a documentação da menina, que atualmente mora com uma tia na capital de Angola.

Nascimento não conhecia esse recurso e chegou a pensar que funcionava como uma espécie de empréstimo. “Como eu vou devolver esse dinheiro?”, perguntou para a reportagem do G1.

Em dois meses, a iniciativa já conseguiu R$ 410, muito longe dos R$ 10 mil, que a família precisa.

Fuga de Luanda

Nascimento tinha um salão de beleza em Luanda e o marido, uma oficina. De uma hora para outra, o casal, que esperava o terceiro filho, viu a vida mudar. O irmão dela trabalhava em um supermercado e presenciou uma tentativa de furto. Duas mulheres se preparavam para deixar o supermercado com garrafas de vinho na bolsa quando seguranças começaram a agredir as supostas clientes.

Ele, que era caixa, denunciou que funcionários do próprio estabelecimento tinham colocado os produtos na bolsa delas.

Com medo, depois do incidente, ele procurou abrigo na casa da irmã. Funcionários do supermercado passaram a persegui-lo no mesmo dia e foram direto à casa dela por duas vezes. Na segunda vez, a mãe de Nascimento foi violentamente agredida na cabeça. A hemorragia no cérebro não foi contida e ela morreu.

Marcos (o mais velho) sempre pergunta para mãe quando a irmã vai morar com a família  (Foto: Marcelo Brandt/ G1)Marcos (o mais velho) sempre pergunta para mãe quando a irmã vai morar com a família  (Foto: Marcelo Brandt/ G1)

Marcos (o mais velho) sempre pergunta para mãe quando a irmã vai morar com a família (Foto: Marcelo Brandt/ G1)

O casal pediu ajuda na igreja local e foi morar na casa de uma amiga do padre, com os dois filhos, em uma cidade próxima. Depois de cerca de três meses, sem dinheiro para sustento da família, o marido dela voltou para Luanda. O combinado era que ele enviaria dinheiro para a mulher e as crianças com a ajuda do padre.

Poucos dias após chegar a Luanda, ele foi descoberto pelos funcionários do supermercado e acabou preso por vários meses — o motivo a própria Nascimento não sabe explicar muito bem. O padre começou a organizar a fuga do casal. Ele providenciou o passaporte e visto de turista para ela e Marcos, na época o filho mais novo.

Sem dizer adeus

A família vivia triste e sem perspectivas. Um dia, Diara pediu para a mãe para ir à igreja. “Eu não a acompanhei porque não tinha cabeça nem para rezar. Ela me disse que ia pedir para o pai ser solto. Eu deixei. Mas então o padre chegou, às pressas, trazia os documentos e me disse que iríamos para o aeroporto”

 (Foto: Arte/ G1) (Foto: Arte/ G1)

(Foto: Arte/ G1)

“Eles estão vindo te matar. Você precisa sair daqui agora”, disse o padre a ela, que tinha ficado sabendo por um amigo do marido que eles tinham descoberto onde a família estava escondida.

“Pedi para o padre deixar eles acabarem com a minha vida porque eu não aguentava mais viver assim. Mas ele disse que não ia deixar, que ia me proteger”, lembra.

E, assim, na fase final da gravidez, ela e o filho mais novo deixaram a casa sem se despedir de Diara, que ainda não tinha voltado da igreja.

No caminho para o aeroporto, ela viu os vistos de turista para o Brasil. “Eu chorava e perguntava para ele como eu ia viver no Brasil, porque eu não conhecia ninguém aqui”, conta.

Confiante, o padre disse para ela: “Deus vai aparecer por trás de uma pessoa. Ela vai ajudar você”.

Nascimento desceu do avião e, sem saber como recomeçar a vida, começou a chorar com o filho no colo.

Sensibilizada com a cena, foi uma nigeriana que estava no aeroporto de Guarulhos para buscar um grupo de compatriotas quem procurou ajudá-la. A nigeriana, que não falava português, usava o Google tradutor para compreendê-la e acabou levando-a para casa. Ela encaminhou a nova amiga grávida até a Caritas, entidade humanitária ligada à Igreja Católica.

Dez dias após chegar, Nascimento deixou o hotel onde estava em um carro da polícia direto para a maternidade, onde deu à luz Graciano, seu primeiro filho brasileiro. Sozinha, com as duas crianças, ela esperou por quase oito meses a chegada do marido dormindo em um abrigo para refugiados.

Após meses de cadeia, o marido veio sozinho — para a tristeza de Nascimento. Aos poucos, a família foi se organizando e alugou uma casa. A quarta integrante da família nasceu há quatro meses.

O contato com Diara seguiu muito complicado. A menina, que passou a viver com uma antiga vizinha, dizia para o padre que se sentia abandonada pelos pais. A menina adoeceu chegou a ficar internada e fazer um longo tratamento médico.

“A última vez que eu consegui falar com minha filha por telefone, ela disse apenas ‘mãe’ e não conseguiu mais falar de tanto chorar. É muito triste”, conta.

Há cerca de 15 dias o celular da tia, que cuida atualmente de Diara, foi roubado. Sem previsão de quando ela terá condições de comprar um novo, a cabelereira se conforma. “Vou ter que esperar. O que me preocupa é que ela está fora da escola, não sei direito se recuperou a saúde”, afirma. A tia está disposta a fazer os trâmites necessários para que venha para cá.

* Como até hoje Nascimento tem medo de ser reconhecida em seu país, ela pede para não ter o nome completo revelado pela reportagem. Os nomes das crianças foram alterados por questões de segurança.

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